Ataxia de Friedreich

A ataxia de Friedreich é uma doença autossómica recessiva caracterizada por degeneração espinocerebelar progressiva. Apresenta-se na 1ª a 2ª décadas de vida com ataxia progressiva da marcha, fraqueza, tremor, disartria, disfagia, cardiomiopatia hipertrófica e/ou diabetes. Os doentes acabam por ficar acamados. O diagnóstico é confirmado por testes genéticos que mostram expansão repetida de trinucleotídeos no gene FXN. O tratamento é de suporte e a maioria dos doentes morre de doença cardíaca na 4ª ou 5ª década de vida.

Última atualização: Jul 9, 2023

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definições

  • Ataxia: movimentos anormais e descoordenados
  • Ataxias hereditárias: grupo heterogéneo de condições hereditárias com ataxia como sintoma cardinal, geralmente secundária a lesão ou disfunção do cerebelo
  • Ataxia de Friedreich (FA, pela sigla em inglês): doença autossómica recessiva caracterizada por degeneração espinocerebelar

Genética e Fisiopatologia

  • Uma mutação no gene FXN do cromossomo 9 resulta numa expansão repetida de trinucleotídeos guanina-adenina-adenina (GAA).
    • Normalmente, a sequência GAA dentro do gene FXN é repetida 7-34 vezes.
    • Na FA, a sequência é repetida aproximadamente 70-1.300 vezes.
  • Esta expansão de repetição tripla causa a supressão do gene e reduz a produção de uma proteína chamada frataxina para 5%–35% do normal.
    • A frataxina é uma proteína mitocondrial e uma parte fundamental da produção de trifosfato de adenosina (ATP, pela sigla em inglês).
    • A deficiência de frataxina leva ao dano celular através de diferentes mecanismos.
    • As células mais frequentemente danificadas pela deficiência de frataxina incluem neurónios, células miocárdicas e células beta pancreáticas.
    • A principal patogénese neuronal é a morte de neurónios de distal para proximal, conhecida como o fenómeno “dying back”.
    • Os locais primários de envolvimento neural incluem nervos periféricos, as colunas dorsais, o trato corticoespinhal e os tratos espinocerebelares laterais e ventrais.

Epidemiologia

  • Ataxia autossómica recessiva mais comum (50% dos casos)
  • Incidência nos Estados Unidos: 1 em 40.000
  • Mais comum em caucasianos
  • Início dos sintomas geralmente < 20 anos

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Apresentação Clínica

Características neurológicas

  • Tríade (altamente sugestiva): ataxia + arreflexia + reflexos plantares extensores
  • Ataxia da marcha:
    • Geralmente o sintoma de apresentação na adolescência
    • Afeta ambos os membros inferiores
    • Piora progressivamente para marcha lenta e desajeitada após o desenvolvimento prévio de caminhada normal
    • Uma combinação de 2 tipos de marcha:
      • Cerebelar: mudança de posição constante e marcha de base ampla para manter o equilíbrio
      • Défice sensitivo: exacerba a marcha de base larga, marcha com arrastamento dos pés
  • Outros sintomas incluem:
    • Fraqueza motora
    • Perda de vibração e sensação de posição; perda eventual do toque leve, dor e temperatura
    • Perda dos reflexos osteo-tendionosos
    • Reflexos plantares extensores
    • Ataxia do tronco e braços
    • Tremor facial e dos músculos dos braços
    • Dependência de cadeira de rodas na 1ª e 2ª década de vida
    • Disartria e disfagia

Características não neurológicas

  • Cifoescoliose (até 80%)
  • Cardiomiopatia hipertrófica (> 50%): sinais de hipertrofia ventricular, como sopro de ejeção sistólico
  • Diabetes mellitus (aproximadamente 10%)
  • Pés cavos (“pé oco”) e/ou pés equinovaros (“clubfoot”)
  • Perda visual e auditiva
  • Défice cognitivo ligeiro
Curvatura lateral da coluna vertebral e ombros redondos na ataxia de friedreich

Exemplo de cifoescoliose grave, um achado comum na ataxia de Friedreich

Imagem : “Lateral curvature of the spine and round shoulders ” por Lovett, Robert W.  Licença: Public Domain

Diagnóstico

Testes genéticos

  • Confirma o diagnóstico
  • Indicações:
    • Diagnóstico pré-natal para pais com uma criança afetada
    • Qualquer doente com suspeita de ter a doença

Imagiologia

  • Ressonância magnética (RM) (imagem de escolha):
    • Atrofia da medula espinhal cervical com evidência mínima de atrofia cerebelar
    • A atrofia cerebelar é um achado tardio.
  • Eletrocardiograma (ECG) e ecocardiograma para procurar sinais de cardiomiopatia hipertrófica
  • Glicose sérica para testar diabetes mellitus
  • Estudos de condução nervosa podem mostrar uma ligeira redução na velocidade.
Ataxia de friedreich por ressonância magnética

RM de um doente com ataxia de Friedreich: observar a diminuição de espessura da medula espinhal cervical

Imagem : “Figure 6” por Rajith Nilantha de Silva et al.  Licença: CC BY 4.0

Tratamento

  • Sem tratamento definitivo
  • Intervenção multidisciplinar (por exemplo, neurologia, medicina física, cardiologia, ortopedia, endocrinologia)
  • A implementação precoce de terapia ocupacional e fisioterapia ajuda a preservar a função.
  • Omaveloxolona:
    • Aprovada em 2023
    • Utilizada para abrandar a progressão da doença
  • Prognóstico:
    • A idade média de morte é de 37 anos.
    • Números mais altos de repetições GAA estão associados ao início mais precoce da doença e a uma maior probabilidade de cardiomiopatia e diabetes.
    • A cardiomiopatia é a causa mais frequente de morte.
    • As mulheres têm um prognóstico significativamente melhor.

Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial para FA inclui as seguintes condições:

  • Ataxia-telangiectasia hereditária (AT, pel sigla em inglês): ataxia cerebelar degenerativa com malformações vasculares oculocutâneas (telangiectasias) e máculas “café-com-leite”. Geneticamente herdada e transmitida num padrão autossómico recessivo. Os doentes apresentam marcha invulgar de base estreita, ao contrário da FA, onde a marcha é de base ampla. Há uma incidência elevada de cancro em doentes com AT (principalmente leucemia e linfoma). Não há tratamentos curativos e o prognóstico é desfavorável. A idade média de morte para doentes com AT é de 25 anos.
  • Doença de Charcot-Marie-Tooth (CMT, pela sigla em inglês): espectro de condições geneticamente herdadas que afetam os nervos periféricos. Os sintomas clínicos comuns incluem neuropatia periférica progressiva, fraqueza distal e atrofia muscular. Os testes genéticos e eletromiografia são importantes ferramentas de diagnóstico para detetar esta condição. O tratamento é de suporte. Embora seja comum ficar dependente de uma cadeira de rodas, a maioria dos doentes mantém a capacidade de deambulação e a esperança média de vida não é reduzida.
  • Ataxia com deficiência de vitamina E: embora frequentemente observada em doentes com défices alimentares, existe uma forma genética desta condição causada por mutações no gene da proteína de transferência de alfa-tocoferol. Esta mutação é herdada num padrão autossómico recessivo, muito semelhante à FA. Assim como a AF, pode apresentar neuropatia e perda da marcha normal. Além disso, a condição apresenta achados cutâneos, como retinite pigmentosa. O tratamento nestes doentes com altas doses de vitamina E é curativo.

Referências

  1. Warner, W. C., & Sawyer, J. R. (2017). Scoliosis and kyphosis. In F. M. Azar MD, J. H. Beaty MD & S. T. Canale MD (Eds.), Campbell’s operative orthopaedics (pp. 18972120.e26). https://www.clinicalkey.es/#!/content/3-s2.0-B9780323374620000446
  2. Palau Martínez, F. (2016). Enfermedades monogénicas raras. In C. Rozman Borstnar, & F. Cardellach López (Eds.), Farreras Rozman. medicina interna (pp. 11701182). .00148-4 https://www.clinicalkey.es/#!/content/3-s2.0-B9788490229965001484
  3. Warner, W. C., & Sawyer, J. R. (2017). Neuromuscular disorders. In F. M. Azar MD, J. H. Beaty MD & S. T. Canale MD (Eds.), Campbell’s operative orthopaedics (pp. 13921422.e5). https://www.clinicalkey.es/#!/content/3-s2.0-B9780323374620000355
  4. Rosenberg, R. N. (2018). Ataxic disorders. In J. L. Jameson, A. S. Fauci, D. L. Kasper, S. L. Hauser, D. L. Longo & J. Loscalzo (Eds.), Harrison’s principles of internal medicine, 20e (). New York, NY: McGraw-Hill Education. accessmedicine.mhmedical.com/content.aspx?aid=1164415673
  5. Garg, M., Kulkarni, S. D., Shah, K. N., & Hegde, A. U. (2017). Diabetes Mellitus as the Presenting Feature of Friedreich’s Ataxia. Journal of neurosciences in rural practice, 8(Suppl 1), S117–S119.
  6. Genetics Home Reference. Friedreich Ataxia. Retrieved September 8, 2020, from https://ghr.nlm.nih.gov/condition/friedreich-ataxia#diagnosis

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