Doença de Wilson

A doença de Wilson (degeneração hepatolenticular) é uma doença autossómica recessiva causada por várias mutações no gene ATP7B, que regula o transporte de cobre dentro dos hepatócitos. A disfunção desse mecanismo de transporte leva à acumulação de quantidades anormais de cobre no fígado, cérebro, olhos e outros órgãos, com consequentes distúrbios hepáticos, neurológicos e psiquiátricos, de expressão variável. O envolvimento do fígado pode manifestar-se como hepatite, insuficiência hepática ou cirrose, enquanto o envolvimento dos gânglios da base causa os sinais extrapiramidais. A maioria dos pacientes é diagnosticada entre as idades de 5 e 35 anos (média: 13 anos). O diagnóstico é estabelecido se o paciente tiver a ceruloplasmina plasmática baixa, depósitos de cobre na córnea (anéis de Kayser-Fleischer) e níveis elevados de cobre na urina. No entanto, muitas vezes são necessários outros exames, pois nem todos os pacientes terão todos estes achados. O prognóstico é bom para pacientes sem doença hepática avançada e que são tratados com os agentes quelantes penicilamina ou trientina. A doença de Wilson não tratada é fatal, podendo os pacientes morrer de cirrose, insuficiência hepática aguda ou complicações devido à doença neurológica progressiva.

Última atualização: Jun 8, 2025

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Epidemiologia e Fisiopatologia

Epidemiologia

  • Prevalência mundial: 1 por 30.000 nascidos vivos, com muitas mutações variantes genéticas com diferentes patogenicidades no gene ATP7B
  • A idade típica de início é de 5 a 35 anos (idade média: 13 anos)

Fisiopatologia

  • Metabolismo normal do cobre:
    • O cobre é absorvido no estômago e no duodeno → liga-se à albumina circulante → absorvida em vários tecidos
    • O excesso de cobre é excretado na bile → eliminado nas fezes
  • A doença de Wilson é uma doença autossómica recessiva causada por mutações no gene ATP7B encontrado no cromossoma 13.
    • Codifica uma ATPase transportadora de cobre ligada à membrana
      • Regula o transporte de cobre para dentro dos hepatócitos
    • A deficiência ou disfunção da proteína ATP7B causa o seguinte:
      • Excreção deficiente de cobre na bile → acumulação hepática de cobre → toxicidade do cobre por dano oxidativo no fígado
      • Incorporação diminuída de cobre na apoceruloplasmina → o cobre acumula-se nos tecidos com baixos níveis circulantes de ceruloplasmina (proteína circulante de transporte de cobre)
    • Mutações/variantes diferentes no gene ATP7B ajudam a explicar algumas das diferentes manifestações clínicas.
  • À medida que a doença progride, o cobre acumula-se no seguinte:
    • Fígado
    • Cérebro
    • Córnea
    • Rins

Apresentação Clínica

A doença de Wilson geralmente apresenta-se em crianças e adultos jovens. Raramente se manifesta após os 40 ano. As manifestações clínicas são principalmente hepáticas, neurológicas e psiquiátricas e podem incluir:

  • Doença hepática
    • Hepatomegalia +/– esplenomegalia
    • Ascite
    • Dor abdominal
    • Icterícia
    • Pode incluir hepatite, falência hepática aguda ou cirrose
  • Anéis Kayser-Fleischer
    • Depósitos de cobre na membrana de Descemet da córnea, manifestados como anéis castanho-esverdeados que circundam a íris
    • Presente em:
      • > 90% dos pacientes com apresentações neurológicas ou psiquiátricas
      • 50%–60% dos pacientes com doença hepática
  • Sintomas neurológicos: Depósitos de cobre no cérebro causam distúrbios motores extrapiramidais.
    • Nos gânglios da base → tremor e sintomas semelhantes ao parkinsonismo (Nota: O termo “degeneração lenticular” usado na descrição original por Wilson, que era estudante de medicina na época, refere-se ao núcleo lenticular [putamen + globus pallidus] parte dos gânglios da base.)
    • No cerebelo → disartria, disfagia, descoordenação e ataxia
    • No cérebro → psicose, demência e perturbação afetiva
  • Sintomas psiquiátricos: depressão, irritabilidade ou perturbações de personalidade
  • Doença hemolítica: Anemia hemolítica (AH) Coombs-negativa, frequentemente associada a icterícia na apresentação. A anemia hemolítica é comumente observada na falência hepática aguda devido à doença de Wilson, mas também pode ser observada sem insuficiência hepática como AH de baixo grau e crónica ou AH episódica.
Doença de wilson anéis de kayser-fleischer

Anel de Kayser-Fleischer: deposição de cobre na córnea

Imagem : Kayser-Fleischer rings” por Bentham Science Publishers, 2012. Licença: CC-BY-2.5

Mnemónica

Apresentação clínica da doença de Wilson: ABCD

  • A: Asterixis
  • B: Basal ganglia – Sintomas de degeneração dos gânglios da base (parkinsonismo)
  • C: Cirrose, Depósitos corneanos (anel de Kayser-Fleischer)
  • D: Demência

Diagnóstico e Tratamento

Diagnóstico

  • A testagem para Doença de Wilson deve ser considerada em qualquer paciente com alterações hepáticas, neurológicas ou psiquiátricas inexplicáveis, e familiares de primeiro grau de pacientes com doença de Wilson devem ser rastreados para a doença.
  • Exame físico: Os anéis de Kayser-Fleischer são vistos com a lâmpada de fenda (presente apenas em 50%–60% daqueles com envolvimento hepático isolado, e em> 90% dos pacientes com envolvimento neurológico).
  • Estudo inicial:
    • Transaminases aumentadas com relação AST/ALT > 2
    • Ceruloplasmina sérica diminuída
    • Excreção urinária de cobre em 24h aumentada
    • Hemograma
  • Imagiologia: a ecografia pode mostrar:
    • Esteatose hepática
    • Hepatomegalia ou esplenomegalia
    • Achados de cirrose
  • Gold Standard:
    • Biópsia hepática: ensaio quantitativo deteta aumento de cobre (se a investigação inicial for indeterminada)
    • Estudo genético molecular

Tratamento

  • Estilo de vida:
    • Dieta restrita em cobre: evitar alimentos ricos em cobre, como vísceras, mariscos, nozes e chocolate.
  • Terapêutica médica (obrigatória):
    • Quelação de cobre com penicilamina ou trientina
    • Se mal tolerado: zinco oral
  • O transplante hepático pode ser necessário em casos graves, como falência hepática fulminante.

Prognóstico

  • A doença de Wilson não tratada é fatal devido à acumulação contínua de cobre, acabando por morrer de cirrose, falência hepática aguda ou complicações devido à doença neurológica progressiva.
  • A esperança média de vida é desconhecida, mas variável. Uma sobrevida media de aproximadamente 5 anos após o aparecimento de sintomas neurológicos foi relatada num estudo. Dos pacientes que desenvolvem falência hepática aguda devido à doença de Wilson, 95% morrem em poucos dias/semanas sem transplante hepático.
  • A sobrevivência com o tratamento é excelente, mesmo na presença de lesão hepática (mas não se presente doença hepática avançada). É necessário tratamento ao longo da vida.

Vídeos recomendados

Diagnóstico Diferencial

  • Doença de Huntington: também pode apresentar manifestações neuropsiquiátricas em um paciente < 40 anos. Os sintomas incluem coreia, atetose, agressão, depressão e demência. A doença de Huntington é causada por mutação autossómica dominante que consiste na repetição de trinucleotídeos (CAG) no cromossoma 4. A imagem cerebral mostra atrofia do caudado e do putâmen. Os anéis de Kayser-Fleischer não estão presentes na doença de Huntington.
  • Doença de Parkinson: também se pode apresentar com as seguintes manifestações neuropsiquiátricas: tremor, rigidez em roda dentada, bradicinesia, instabilidade postural e marcha arrastada. A doença de Parkinson está associada à perda de neurónios dopaminérgicos da substância nigra. A histologia mostra depósitos de α-sinucleína (inclusões eosinofílicas intracelulares). Os anéis de Kayser-Fleischer não estão presentes na doença de Parkinson.
  • Hepatite por outras causas (p. ex., álcool, acetaminofeno): As manifestações neuropsiquiátricas da doença de Wilson ajudam a diferenciá-la de outras causas de hepatite (embora a encefalopatia hepática possa estar associada à insuficiência hepática). História clínica, estudo analítico e exames de imagem podem ajudar a diferenciar as diferentes causas de hepatite da doença de Wilson.

Referências

  1. Schilsky, M. (2023). Wilson disease: clinical manifestations, diagnosis, and natural history. UpToDate. Retrieved May 25, 2025, from https://www.uptodate.com/contents/wilson-disease-clinical-manifestations-diagnosis-and-natural-history
  2. Kasper, D. L., Braunwald, F. (2017). Harrison’s Principle of Internal Medicine (19th ed., vol. I, pp. 2519–2520).
  3. Członkowska, A., Litwin, T., Dusek, P., Ferenci, P., Lutsenko, S., Medici, V., Rybakowski, J. K., Weiss, K. H., & Schilsky, M. L. (2018). Wilson disease. Nature reviews. Disease primers, 4(1), 21. https://doi.org/10.1038/s41572-018-0018-3
  4. Kumar, M., Gaharwar, U., Paul, S., et al. (2020) WilsonGen a comprehensive clinically annotated genomic variant resource for Wilson’s disease. Scientific Reports 10, 9037. https://doi.org/10.1038/s41598-020-66099-2
  5. Hermann W. (2019). Classification and differential diagnosis of Wilson’s disease. Annals of Translational Medicine, 7(Suppl 2), S63. https://doi.org/10.21037/atm.2019.02.07
  6. Kasztelan-Szczerbinska, B., Cichoz-Lach, H. (2021). Wilson’s disease: an update on the diagnostic workup and management. Journal of Clinical Medicine, 10(21), 5097. https://doi.org/10.3390/jcm10215097
  7. Schilsky, M. L., Roberts, E. A., Bronstein, J. M., Dhawan, A., Hamilton, J. P., Rivard, A. M., Washington, M. K., Weiss, K. H., & Zimbrean, P. C. (2023). A multidisciplinary approach to the diagnosis and management of Wilson disease: Executive summary of the 2022 Practice Guidance on Wilson disease from the American Association for the Study of Liver Diseases. Hepatology (Baltimore, Md.), 77(4), 1428–1455. https://doi.org/10.1002/hep.32805
  8. Gao, J., Brackley, S., & Mann, J. P. (2019). The global prevalence of Wilson disease from next-generation sequencing data. Genetics in medicine : official journal of the American College of Medical Genetics, 21(5), 1155–1163. https://doi.org/10.1038/s41436-018-0309-9
  9. Basan, N. M., Sheikh Hassan, M., Gökhan, Z., Nur Alper, S., Yaşar, S. Ş., Gür, T., & Köksal, A. (2024). Usefulness of the Leipzig Score in the Diagnosis of Wilson’s Disease – A Diagnostically Challenging Case Report. International medical case reports journal, 17, 819–822. https://doi.org/10.2147/IMCRJ.S491888
  10. Alkhouri, N., Gonzalez-Peralta, R. P., & Medici, V. (2023). Wilson disease: A summary of the updated AASLD Practice Guidance. Hepatology Communications, 7(6), e0150. https://doi.org/10.1097/HC9.0000000000000150
  11. European Association for the Study of the Liver. (2025). EASL-ERN Clinical Practice Guidelines on Wilson’s disease. Journal of Hepatology, 82(4), 639-674. https://doi.org/10.1016/j.jhep.2024.11.007
  12. Feldman, M., Friedman, L. S., & Brandt, L. J. (Eds.). (2021). Sleisenger and Fordtran’s gastrointestinal and liver disease: Pathophysiology, diagnosis, management (11th ed.). Elsevier. [Chapter on Wilson Disease]
  13. Jameson, J. L., Fauci, A. S., Kasper, D. L., Hauser, S. L., Longo, D. L., & Loscalzo, J. (Eds.). (2022). Harrison’s principles of internal medicine (21st ed.). McGraw-Hill Education. [Chapter on Wilson Disease]

Aprende mais com a Lecturio:

Complementa o teu estudo da faculdade com o companheiro de estudo tudo-em-um da Lecturio, através de métodos de ensino baseados em evidência.

Estuda onde quiseres

A Lecturio Medical complementa o teu estudo através de métodos de ensino baseados em evidência, vídeos de palestras, perguntas e muito mais – tudo combinado num só lugar e fácil de usar.

User Reviews

Details